O ano era 2009. O local, a sala de projeções de uma escola estadual em Viçosa MG. Estávamos produzindo uma cena sobre uso de filmes de ficção na educação, parte de um curso em vídeo para formação continuada de professores. Tínhamos uma atriz, que, de certa maneira, fazia o papel dela mesma, afinal era professora de Português. A turma era composta por alunos do primeiro ano do ensino médio, convidados a participar das gravações por três dias, nas quais simulamos diversas outras atividades.

O filme projetado, “Escritores da liberdade”, produção de 2007, estrelada pela atriz Hilary Swank, abordava a atuação de uma professora em uma escola de um bairro pobre, cujos alunos viviam uma constante tensão racial. Usando métodos diferentes de ensino, a professora promove uma retomada da autoestima dos alunos, que passam a valorizar o conhecimento, a tolerância e o respeito mútuo.
Eu me lembro que durante a pré-produção, discutimos qual filme deveríamos usar na cena da projeção. Um blockbuster de grande bilheteria ou cinema de arte? Decidimos por “Escritores da liberdade” por estar no meio do caminho entre estas “modalidades” cinematográficas. Um filme comercial, “holyudiano”, com proposta de provocar reflexões na audiência. Além disso, seria interessante ter um bom filme como exemplo, que talvez sensibilizasse os alunos, embora considerássemos maior a chance de haver indiferença ou rejeição. Porém, para nossa surpresa, não foi isso o que aconteceu.
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UMA AGRADÁVEL SURPRESA
Levamos mais de 40 minutos preparando a gravação, definindo o posicionamento da turma e da câmera e ajustando a iluminação. Pedimos aos alunos que olhassem para a tela com atenção. Com cerca de 30 minutos de projeção já tínhamos captado as imagens que precisávamos e interrompemos o filme. Inesperadamente os alunos protestaram contra a interrupção. Era unânime o desejo de assistir até o final. Retomamos a projeção e, ao final, testemunhamos um surpreendente debate, profundo, emocionado e participativo. Uma excelente cena adicional para nosso curso. E tivemos uma lição importante: não subestime os alunos e nem o poder de um bom filme.

O fator de envolvimento destes adolescentes, tão representativos das salas de aula do Ensino Médio, com “Escritores da Liberdade”, foi sua identificação com os personagens. Um processo de identificação que não ocorreu por mera coincidência, afinal roteiristas e diretores de cinema conhecem bem e utilizam constantemente o conceito de identidade para envolver a audiência.
A IDENTIFICAÇÃO, UM PODEROSO RECURSO DA NARRATIVA
Na verdade quem primeiro sistematizou a identificação como princípio e ferramenta da narrativa foi Aristóteles, o filósofo da Grécia antiga autor de “Poética”, um livro que se tornou, até os tempos atuais, uma espécie de guia para autores do teatro, da televisão, do cinema e da literatura. Aristóteles foi o primeiro a estudar as características da forma da narrativa e a teorizar sobre seus efeitos na plateia do teatro grego. Estabeleceu diversos conceitos, entre os quais destaco:
- VEROSSIMILHANÇA, segundo o qual a narrativa deve ser constituída de um universo possível, que garanta a sensação de que a história contada pode realmente acontecer;
- RECONHECIMENTO, ou seja, uma passagem “do ignorar para o conhecer”, sintetizada pela frase “mas, o que ninguém sabia era que…”;
- PERIPÉCIA, que compõe o recheio da história e retarda seu desfecho;
- INDENTIFICAÇÃO, pela qual o autor envolve quem lê ou assiste, de forma que nos momentos de sofrimento e, depois, quando tudo se resolve (alívio/felicidade) os sentimentos personagem/leitor/espectador se confundem.

Poética, de Aristóteles: um guia para os autores do antigo teatro grego, que se tornou uma referência na construção da narrativa para escritores, teatrólogos e cineastas. Nesta imagem, a capa de um exemplar de 1780.
Se um professor deseja alcançar seus alunos de forma eficaz e prender a atenção deles, uma excelente estratégia é usar a emoção. Os cineastas comerciais, que produzem filmes de ficção e documentários sabem disso. Eles estudam os princípios da narrativa no audiovisual de forma aprofundada e exercitam sua aplicação a cada obra realizada, afinal, se não envolvem o público, seu filme fracassa. Os professores também podem e devem explorar estas características das obras audiovisuais estrategicamente para promover o envolvimento. Sem contar que, à sua frente, na sala de aula, está uma geração de alunos orientada para filmes e vídeos. Resta mudar o paradigma estabelecido nas escolas de que um filme não é uma forma de comunicação tão legítima para o ensino quanto palavras escritas em um livro ou apostila.
COMO USAR DOCUMENTÁRIOS E OBRAS DE FICÇÃO PARA PROVOCAR IDENTIFICAÇÃO E ENVOLVIMENTO
Em um artigo no site Edutopia, mantido pela George Lucas Educational Foundation (George Lucas é o produtor de Star Wars e Indiana Jones), o professor e jornalista educacional Mark Philipps, relatou dois exemplos de utilização de filmes que testemunhou e nos quais verificou excelentes resultados.

No primeiro, o autor conta que, em uma aula de ciências da educação básica, foi exibido o documentário “Kilauea: Mountain of Fire” (Kilauea -Montanha de Fogo, em tradução livre). Os alunos assistiram imagens poderosas que mostravam a erupção do Monte Kilauea (nome de um vulcão no Havaí), com muitos closes de explosões e de lava derretida. O filme não tem um narrador, apenas uma envolvente trilha musical.
Terminada a exibição, a professora pediu aos alunos que fechassem os olhos e imaginassem como reagiriam se estivessem em um acampamento na base daquela montanha quando a erupção começou, e usou esta dinâmica como introdução para o tema “placas tectônicas”. O resultado, segundo Philipps, foi um excepcional aumento do desejo dos alunos de aprender mais sobre o tema.
No segundo exemplo apresentado , uma professora de álgebra do ensino superior, deu início a uma aula sobre o “problema da palavra”, exibindo para a turma um trecho de Os Simpsons, no qual o personagem Bart tem um colapso nervoso, de forma hilária, ao tentar resolver um problema deste tipo.

O primeiro objetivo da professora foi provocar, depois do vídeo, uma breve discussão sobre a ansiedade que muitos alunos têm em relação ao problema da palavra em álgebra universal. O segundo objetivo foi ajudar a turma a relaxar e entender que não estavam sozinhos em sua ansiedade. Ou seja, neste caso, o vídeo foi usado em favor da aprendizagem de forma indireta. Os resultados da estratégia foram tão bons que a professora passou a utilizar o recurso a cada nova turma, a cada semestre.
Estes dois exemplos ilustram formas criativas do uso de documentários e programas de televisão no processo de ensino e aprendizagem: envolver pela emoção, relaxar com o humor. E muitas outras formas podem ser usadas. Um filme mais reflexivo pode ser usado como uma experiência culminante, resumindo um conteúdo estudado. Outro mais direto na abordagem de um conteúdo, pode ser inserido na abordagem do professor para ensinar diretamente um conceito ou habilidade.
PARA SISTEMATIZAR O USO
Na verdade, o próprio professor pode encontrar a melhor forma de explorar o audiovisual em benefício da aprendizagem. Ao se familiarizar com o uso de filmes para a educação, passará a dar mais atenção ao que vê rotineiramente no cinema, na tv ou na internet, pensando em seus alunos e nos conteúdos que ensina. Poderá sistematizar as próprias impressões sobre as obras que gostaria de mostrar para suas turmas, registrando, em um caderno ou planilha no computador, detalhes sobre elas e as formas com as quais imaginou utilizá-las em suas abordagens .
ATENÇÃO À QUALIDADE DA OBRA
Não posso deixar de abordar outra questão fundamental, que é a qualidade do filme de ficção ou documentário a ser utilizado. Não há contradição entre o filme divertido e eficaz educacionalmente. Porém, a avaliação de um filme é algo subjetivo, que merece uma análise quanto à adequação ao público que vai assistir. Então, selecione os filmes de que seus alunos vão gostar, mas não perca de vista o objetivo final que é a aprendizagem de um dado conteúdo do currículo. “Escritores da liberdade”, filme que usei lá em 2009 para compor uma cena sobre uso de audiovisuais na escola, mostrou bem o significado disso. Um filme sério, de abordagem engajada, de alto nível, elogiado pela crítica e que, por isso mesmo, normalmente não estaria entre os preferidos dos adolescentes, promoveu uma reviravolta em meu pensamento sobre o potencial do cinema para a educação. Eu e minha equipe de produção poderíamos ter escolhido uma comédia romântica, tão na moda naquela época, oferecendo entretenimento a plateia, tanto quanto o filme que escolhemos, sem, no entanto, proporcionar a oportunidade de debate, de aprofundamento e, claro, de aprendizagem.
Peço licença para uma última observação. Apresento ao leitor a PaideiaPlay, uma plataforma online de vídeos mapeados pela BNCC. Há vários anos, quando começamos este projeto, pensávamos no uso dos vídeos online de forma presencial e/ou remota, como ferramenta para a aprendizagem ativa. Nos tempos atuais, tão desafiadores para a educação por causa da pandemia, estamos convencidos de que podemos ajudar os professores a usar o poder da narrativa dos documentários, das obras de ficção e outros gêneros televisivos e cinematográficos para envolver os alunos e ajudar o processo de ensino e aprendizagem. Clique e conheça a PaideiaPlay.
Atualizado em 26 de julho de 2021.
REFERÊNCIAS
Student engagement – Film as a Great Motivator, By Mark Phillip (https://www.edutopia.org/blog/power-of-visual-media-mark-phillips).
Docs in the Classroom: Activating Critical Thinking through. Documentary Film. Ashley Solesbee. Education Coordinator. Full Frame Documentary Film Festival. https://www.fullframefest.org/wp-content/uploads/2017/09/Docs-in-the-Classroom-Activating-Critical-Thinking-through-Documentary-Film.pdf
Excelente.
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